quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Caso Sério






Não, não é demais

talvez seja até de menos

meu exagero no receio

em te/me apaixonar

depois não vá dizer

que não avisei

que eu era caso sério

feliz demais para ser

mistério


Cáh Morandi

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Continuar







Eu tenho as faces rosadas, as costas doendo, o corpo molhado de suor e as mãos tremendo. Cada vez que um pedaço de mim é arrancado, a reação do meu corpo é continuar agindo como se ele ainda estivesse lá. De modo que continuarei a escrever sem as mãos, dançar sem as pernas, ofegar sem os pulmões, balançar os cabelos invisíveis, abraçar sem braços, gemer sem a boca, chorar sem os olhos e me contorcer sem a coluna. Tenho certeza de que quando você se for, vou continuar correndo sem o coração, como um animal que ainda se move por reflexos mesmo depois de morto e desviscerado. Mas por quanto tempo os reflexos sustentarão um corpo que corre sem o coração, se contorce sem a coluna, chora sem os olhos, geme sem a boca, abraça sem braços, balança cabelos invisíveis, ofega sem os pulmões, dança sem as pernas e escreve sem as mãos? Eu me pergunto, e meu corpo reage mais do que nunca.


Alice Chaves.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Mulher ao Espelho





Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seu
se morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.
Cecília Meireles

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Passos do Futuro





SISIFO

Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XI  

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O Louco





Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido
,
despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas

 máscaras tinham sido roubadas

– as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete

 vidas –

e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando:

“Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”

Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com

 medo de mim
.
E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no

 telhado de uma casa gritou:

“É um louco!”

Olhei para cima, para vê-lo.

O sol beijou pela primeira vez minha face nua.


Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua,

e minha alma inflamou-se de amor pelo sol,

e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei:

“Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!”

Assim me tornei louco.

E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura:

a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido,


pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em

 nós. 


Gibran Khalil Gibran

domingo, 5 de janeiro de 2014

Destino



Balada do Amor que não Veio

Se acaso penso em ti, me 
inquieta o pensamento...
Por que havias de vir 
assim tarde demais?
Bem que eu tinha 
de há muito 
um cruel pressentimento,
- e há sempre um desespero em nós, 
se num momento
desejamos voltar a vida para trás...
Neste instante imagino o que teria sido
o meu vago destino desorientado, 
se antes, eu já te houvesse um dia conhecido,
esse tempo, meu Deus!... 
- e esse tempo perdido
pudesse ao teu convívio ter aproveitado!

Não há nada entre nós, nada... 
e em verdade há a vida
que nos chama e nos prende!... 
E já agora imagino
que aqui estás ao meu lado 
a ouvir-me comovida 
e me entregas a mão, -- 
e entrego-te vencida
a minha alma, 

- e com ela todo o meu destino!

Não há nada entre nós, 
- mas se nos encontramos 
ouvirás de hoje em diante 
um poema onde tu fores,
- trouxemos o destino estranho 
de dois ramos, separados, 
- que importa? 
ainda assim nos juntamos
confundindo as ramagens, 
misturando as flores...
E eu nem te vi direito!
JG de Araújo Jorge

sábado, 4 de janeiro de 2014

SILÊNCIO






Eu nasci para estar calado.
Minha única vocação é o silêncio.
Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios.
Escrevo bem, silêncios, no plural.
Sim, porque não há um único silêncio.
E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado.
Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude.
Eu era um afinador de silêncios.

Mia Couto

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

FIM



O Céu Cai

Este é o fim
Segure a respiração e conte até dez
Sinta a Terra se mexer e então
Ouça meu coração explodir novamente
Pois este é o fim
Eu me afoguei e sonhei este momento
Tão atrasado, eu devo a eles
Emocionada, fui levada

Deixe o céu cair
Quando desmoronar
Estaremos de pé, orgulhosos
E iremos encarar a tudo
Juntos
Deixe o céu cair
Quando desmoronar
Estaremos de pé, orgulhosos
E iremos encarar a tudo juntos
Ao cair do céu
Ao cair do céu

Na queda do céu é onde começamos
Separados por mil milhas e pólos
Onde mundos colidem e dias são escuros
Pode ter meu número
Pode tirar meu nome
Mas você nunca terá meu coração

Deixe o céu cair
Quando desmoronar
Estaremos de pé, orgulhosos
E iremos encarar a tudo
Juntos
Deixe o céu cair
Quando desmoronar
Estaremos de pé, orgulhosos
E iremos encarar a tudo juntos
Ao cair do céu

Ao cair do céu
Quando desmoronar
Estaremos de pé, orgulhosos
Ao cair do céu
Quando desmoronar
Estaremos de pé, orgulhosos

Onde você vai, eu vou
O que você vê, eu vejo
Sei que nunca serei eu
Sem a segurança
De seus braços amorosos
Me mantendo longe do perigo
Coloque sua mão na minha
E estaremos de pé

Deixe o céu cair
Quando desmoronar
Estaremos de pé, orgulhosos
E iremos encarar a tudo
Juntos

Deixe o céu cair
Quando desmoronar
Estaremos de pé, orgulhosos
E iremos encarar a tudo
Juntos
Ao cair do céu

Deixe o céu cair
Estaremos de pé, orgulhosos
Ao cair do céu

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