quarta-feira, 29 de julho de 2015

Coração






houve rumores
de que eu não tinha um coração

é verdade.

meu coração dividiu em 10x

uma passagem em promoção
nesse exato momento está molhando os pés no mar
e colocando as fotos
nas redes sociais 

meu coração foi servido em um jantar
na semana passada.
 um dos convidados não comeu
porque era vegetariano.
os restos foram dados ao cachorro da vizinhança
que manca de uma das patinhas
e atende pelo nome de pingo

meu coração está bêbado em um bar no centro
tomando o penúltimo conhaque
enquanto o garçom começa a limpar as mesas
e empilhar as cadeiras
para poder voltar mais cedo
para a nova namorada

meu coração está nos bolsos do poeta
que se jogou do vigésimo quinto andar
por uma mulher que não sou eu

meu coração está de licença
tirou um ano sabático
foi surfar na flórida
pedalar na dinamarca
esquiar na patagônia
saiu para comprar cigarros

meu coração foi para o silicon valley
ganhar seu primeiro milhão
e acabou leiloado no ebay
por uns pares de centavos

então, como vês, é verdade:
meu coração foi demitido por justa causa
em razão de sua inegável
inabilidade

Jeanne Callegari

terça-feira, 28 de julho de 2015

Livre





Dia de mudança!!!!  Porque a vida não espera. Em 13/01/2005 nasceu este blog. Em outro formato, na época no Spaces do hotmail.  Existiu por lá até 21/03/2008, época em que o Space foi desativado e as postagens foram transferidas para este endereço: waleskapink.wordpress.com.
Mas, como tudo deve ser melhorado, em 07/03/2011, tivemos uma nova mudança, e estamos aqui desde então. Escrevendo... Postando... Delirando...  É tão bom ler as postagens antigas!!!  É uma viagem no tempo. São memórias guardadas aqui, de vida, de épocas, boas, ruins, esperanças, alegrias, tristezas, amores, conquistas. Das maiores as menores. E é por isso, que hoje, venho aqui para fazer uma pequena grande mudança. O nome do Blog mudará parcialmente. O "A VIDA NÃO ESPERA, E O IMPORTANTE É O QUE TE FAZ SORRIR", passará a ser de hoje em diante "A VIDA NÃO ESPERA, E O IMPORTANTE É O QUE TE FAZ LIVRE".

Claro, isso merece uma explicação. Sorrir é bom. Maravilhoso!!!!  Mas o que seria do riso sem a dor? O importante não é somente o que nos faz sorrir. Por isso, como me permito mudar, e o crescimento faz parte do ser humano, acredito que a dor, os dias não tão felizes também são importantes. Nos fazem crescer, nos fazem olhar a vida de outra forma, enxergar outras oportunidades, seguir outros caminhos, olhar também pra dentro de nós. Quanto a ser livre, é o fato de deixar as amarras sociais e se permitir. Se permitir ser humano. Alguém que dói, que sente, que sangra, que chora, mas também que ama, que pulsa, que erra, que não é perfeito em nenhum momento. Que está em constante transformação, indo cada vez mais ao encontro do seu eu, e da sua paz interior.


Waleska Raquel

quinta-feira, 23 de julho de 2015

O Livro




É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo. Penso que devemos ler apenas livros que nos ferem, que nos afligem. Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz? Oh Deus, nós seríamos felizes do mesmo modo se esses livros não existissem. Livros que nos fazem felizes poderíamos escrever nós mesmos num piscar de olhos. Precisamos de livros que nos atinjam como a mais dolorosa desventura, que nos assolem profundamente – como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós mesmos –, que nos façam sentir que fomos banidos para o ermo, para longe de qualquer presença humana – como um suicídio. Um livro deve ser um machado para o mar congelado que há dentro de nós.


Franz Kafka

terça-feira, 21 de julho de 2015

Luto





Parece, minha senhora? Não: é! Não sei "parecer"! Não é somente meu negro manto, bondosa mãe, nem  meus costumeiros trajes de luto, nem os vaporosos suspiros de um peito ofegante, não, nem o caudal transbordante dos olhos, nem a expressão abatida do semblante, junto com todas as formas, modos e exteriores de dor, que podem indicar meu estado de ânimo! Realmente, tudo isto é aparência, pois são ações que podem ser representadas pelo homem; porém, o que dentro de mim sinto, supera todas as exterioridades que nada são do que os atavios e as galas da dor!


Hamlet - William Shakespeare

domingo, 19 de julho de 2015

Wando e as Calcinhas






Quando Wando entrou no banheiro de Lúcia para tomar o banho, antes da sua viagem, olhou aquele cesto repleto de calcinhas...  Sentou-se ao vaso e na curiosidade e ansiedade da despedida pegou a primeira. Tão pequena!!! O tecido macio parecia que quem a vestia sentia-se como não estivesse vestindo nada...  Num ato quase inconsciente levou o pequeno pedaço de pano ao nariz, e numa longa tragada sentiu o aroma que o conduziu por onde sua usuária outrora teria andado. Aquela primeira, tinha o cheiro de academia, com o suor característico do esforço físico. A segunda, tinha se aventurado no supermercado, impregnada com cheiros de frutas, pães e pão de queijo. A terceira tinha cheiro de material elétrico... Mas vejam só!!! Material elétrico????  Onde essa mulher havia andado????  Aposto que o chuveiro havia queimado!!!! E assim se foi,  papelaria, hospital, ração de animais, sorvete, chocolate, chocolate, chocolate, ... Acho que devia estar na TPM!!! E foi cheirando, até chegar ao fim de todas e se sentir estasiado. Por fim, guardou no bolso uma pequena escolhida entre as tantas, e sorrateiramente, guardou na mala. Foi-se. Ficou Lúcia, e suas calcinhas. Sem sentir nenhuma falta daquela surrupiada. Só quando Wando chegou em sua casa, e para matar a saudade já gritante de Lúcia, pegou a calcinha e cheirou...  Aproveitou e tirou uma fotografia, que enviou a Lúcia por email com cara de quem pegou emprestado.


Autor desconhecido.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Excessos




Estou transbordando...

Há excessos em mim.

Eu transbordo em um amor de ida.

Há mulher demais em mim.

Eu transbordo na mãe desmedida.

Há uma filha escondida no ringue.

Transbordando e marcando a vida.

Com a cor escalarte que pulsa.

Que somente uma gota é capaz

De tingir a vida e a morte.


domingo, 5 de julho de 2015

Canção de amor







Canção de Amor

Como hei-de segurar a minha alma
para que não toque na tua? 
Como hei-de elevá-la acima de ti, 
até outras coisas?
Ah, como gostaria de levá-la
até um sítio perdido na escuridão
até um lugar estranho e silencioso
que não se agita, quando o teu coração treme.
Pois o que nos toca, a ti e a mim,
isso nos une, como um arco de violino
que de duas cordas solta uma só nota.
A que instrumento estamos atados?
E que violinista nos tem em suas mãos?
Oh, doce canção.



Rainer Maria Rilke

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Cansaço




O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço..."
Cansaço - Álvaro de Campos, in "Poemas"