domingo, 30 de novembro de 2014

Coitadinhos





Todo mundo conhece um coitadinho. Nunca podem nada. Para eles tudo é muito difícil e complicado, então nem tentam. Sempre sobra para quem? Para você. Ou para quem estiver por perto. Coitadinhos são uma espécie de plantas parasitas. Ficam lá na surdina. E vão sugando o trabalho, a energia, a boa vontade do outro.Se contrariados mostram a força que têm. São fortes para gritar, reclamar, bater porta. Costumam ser os primeiros dedos apontados para erros alheios. Acusam sem piedade. 


Não há grande produtividade na vida dos coitadinhos. Nem muita criatividade também. Funcionam em modo de espera. Uma espécie de repouso, stand by. O que esperam? Talvez nem eles saibam.Tanto marasmo incomoda quem olha de fora. Triste ver uma vida jovem desperdiçada dessa forma. Na aflição de ajudar damos palpites. Questionamos. Insistimos. Coitadinhos se irritam. Se fosse gato veríamos seu pelo eriçando pronto para o ataque.

Mas é por pouco tempo. Rapidamente vai aparecer um protetor para concordar com ele e discordar de você. Por traz de todo coitadinho há alguém que passa a mão na sua cabeça e apoia seu dolce 'far-niente'. Pode procurar.
Alguém que acha que errou em algum momento, de alguma forma. E que, por isso, criou uma pessoa mais frágil que precisa ser protegida, poupada. De que? Da vida. Porque vida dói. Se é mesmo culpado? Não. Ninguém é culpado pela vida de ninguém. Vida é pessoal e intrasferível.
Coitadinhos, geralmente, têm algum histórico de perdas. Não que sejam graves ou insuperáveis. Eles é que sentem como se fossem. Sempre com o respaldo de alguém para dizer: por isso que ele é assim. Deixa ele, coitado.
Levante a mão quem nunca teve perdas. Tristezas, abandonos, decepções. E não estamos aqui? Vida nunca é bem asfaltada. Para nenhum de nós. Vida é estrada brasileira. Buracos enormes. Quebra molas mal feitos. E dói mesmo. Mas faz parte. A vida bate dura no lombo da gente. Não há amortecedor que suavize o baque. Quebra nossa suspensão. Nos deixa arriados de quatro no meio do caminho. E não estamos todos aqui tentando de novo?
Pais, mães, avós, cuidam como sabem e como podem. De acordo com o que receberam. Da melhor forma que lhes é possível. Erraram? Claro. Nós erramos todos, pelo menos umas dez vezes todos os dias, em tudo o que fazemos. Por que com filhos seria diferente? Ao contrário. Aí é que a gente erra mais ainda. Eles costumam sobreviver a isso. Nós sobrevivemos também.
Usar erros do passado como desculpa para o presente? Esse é o grande erro. Remexer o baú buscando justificativa, desculpas? Vida é um erro atrás do outro. Não para sentar e carpir. Nem para se lamentar. Para entender, aceitar e prosseguir. A vida é nossa. Não cabe deslocar responsabilidades. Sou responsável pelo que decido pelo que faço e pelo que tento não assumir e jogar sorrateiramente para cima dos outros. Vida é garrafa d água do lado do filtro. Abro e encho ou fico com sede reclamando.
Coitadinhos se sentem no lucro. Não deixa de ser. Afinal, nada fazem e tudo têm. Ninguém cobra nada deles. Se acham uns espertalhões. Vivem sem esforço. Que nada. Não há lucro em parasitar. É no embate do dia a dia que a gente aprende, se fortalece e fica cascudo. Na dor da queda e no vento no rosto, se perceber em pé de novo. Isso é vida.
Não imagino o que pensa uma mãe passarinho quando enxota os filhotes para fora do ninho. Mas se ela pensar muito e não jogar, como eles vão aprender a voar? Deitados no conforto do ninho?
É preciso ir além da zona de conforto. Experimentar, quebrar a cara, tentar de novo. É isso que os coitadinhos não têm. Não saem do ninho. E o ninho dos coitadinhos nem é a casa. É o quarto deles. É lá que costumam reinar. Pequenos tiranos cheios de vontade. Não percebem que o mundo é mais do que quatro paredes. Não falo de crianças. Falo de imaturos.
Por trás de todo coitadinho tem um passarinho que entende suas dificuldades. Tem muita pena dele. Repete sempre como ele teve uma história sofrida. E lhe traz minhocas que lhe dá na boca. Uma mordomia para poucos. Ainda bem. Imagina um mundo de coitadinhos?
Um coitadinho nunca é tão incompetente quanto parece. Só desenvolveu a crença de que não pode, não consegue. E a percepção falsamente esperta de que também não precisa tentar, porque lucra mais desse jeito que está. Só que não. Todo coitadinho é meio espertalhão.
É preciso empurrar para fora do ninho. Mesmo que seja para voar junto, orientando a direção. Ensinando os macetes. Sem desculpas, choramingos ou desistências. E sem pena dos tombos que vai tomar. Quantos já não levamos?
Lucro é ter asas fortes, com calos de tanto voar. E se ralar, se esfolar, perder penas. Continuar sempre e mesmo assim. Ter coragem de ousar, ir além do visível. Realizar desejos e buscar sonhos. E, mesmo quando tudo der errado, acreditar que pode vencer. E seguir.  

Mônica El Bayeh

sábado, 8 de novembro de 2014

Amor




Há muitos anos atrás, muitos mesmo, quando era praticamente uma adolescente, li, "Do amor, Ensaio de Enigma", sensível livro do saudoso Artur da Távola. Há semanas atrás após a crônica “Quem Nunca Sentiu Saudade?”que escrevi para a página Acidez crônica, recebi uma mensagem delicada que citava o trecho “da perda” deste livro "Do Amor".
Fui, então, reler alguns trechos do meu livro já amarelado pelo tempo, sublinhado pelas descobertas de uma adolescente, hoje, revisitado por estas retinas vividas, achei engraçado alguns trechos sublinhados, quase premonitórios e, enfim, pude concluir: o amor é realmente um enigma.
Pus-me a pensar no amor, esquecendo-me completamente do purismo da língua, das observações analíticas: pensei no amor do dia a dia, o amor desabafado e desabado nos ombros amigos; pensei nos amores de bar e nos amores média, pão e manteiga com olhares perdidos e esperanças matinais.
Ponderei sobre amores que nem sempre são amores, mas que pelo tempo que estiverem trajados de amor serão intermináveis. Pensei nos amores absolutamente apaixonados que visitam camas e muros; nos amores complicados tal qual nó de aselha, cegos em sua existência, e por fim, pensei naquele amor que de tanto ser amor torna-se enigma, aquele amor fecundo em todos os tempos, que será sempre amor mesmo depois de findo.
Este amor é silencioso, sobrevive à própria morte, posto que renasce nas lembranças e em frases de carinho. É amor de travesseiro, não importa o novo amor, muito menos com quem você se deite, haverá de haver um boa noite distante.
Quando eu era jovem discordava da afirmativa de Nelson Rodrigues: “Todo amor é eterno. E se acaba, não era amor”. Entendia que o amor necessitava de presença, toque, sexo, beijos. Hoje minhas retinas refletidas e vividas, permitem-me compreender: Há o amor de querer bem, não importa o fim, segue-se, sim, amando.


Luciana Chardelli

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