quarta-feira, 24 de abril de 2013

ESCURIDÃO




"lasciate ogni speranza voi che entrate"
Seguiu-se uma noite...
Uma noite de tal escuridão
Que sufocava o brilho das estrelas,
Afogava a luz de todas as lanternas
E até mesmo o Sol
Mergulhou nas águas
Da mais profunda e fria escuridão.

Seguiu-se uma noite... E após ela, outras
Se ergueram do solo como inço e
Arrastaram seus corpos viscosos até o esquecimento
Carregando consigo
Tudo aquilo que um dia teve alento.

Seguiu-se uma noite que desfez a espera
E desatou consigo as cordas do mistério.
As mãos imóveis desenhavam seu destino
E os olhos em vão se reviravam para ver.
Nada se ouvia, a não ser
O choro convulsivo das perdidas esperanças.

Por que, então, lamentar a doce perda
Dos erros e ilusões das quais fomos cativos?
Como lamentar que espinhos e pedras
Dissipem-se no ar como neblina?

Aqui vencemos e fomos vencidos...


(Igor Roosevelt; 15/04/2013)



Guardador de Infância

Atenção: Compro gavetas,

 
armários, cômodas e baús.

 
Preciso guardar minha infância:


os jogos de amarelinha,
os segredos que me contaram
lá no fundo do quintal.

Preciso guardar minhas lembranças:
as viagens que não fiz,
ciranda, cirandinha

e o gosto de aventura
que havia nas manhãs.
Preciso guardar meus talismãs:
o anel que tu me deste,
o amor que tu me tinhas
e as histórias que eu vivi...

(Roseana Murray)

segunda-feira, 22 de abril de 2013

SABER SEPARAR...





Há que separar o joio do trigo
O fruto bom do apodrecido
O supérfluo do necessário
O homem honesto do salafrário

Há que separar o direito do avesso
O ciúme do apreço
A paixão do amor
A honestidade do falso pudor
Há que separar o verdadeiro do falso
O bem calçado do descalço
O real desejo da luxúria
O lado animal da criatura
Há que separar o falso brilhante da jóia verdadeira
A sobriedade da bebedeira
O erro do ledo engano
O supostamente sagrado do profano
Há que separar a liberdade da prisão
A mão direita da contramão
O verdadeiro amor da obsessão
O verdadeiro sim e o disfarce do não


Ianê Mello

sexta-feira, 19 de abril de 2013

CANSADA...




Caravelas

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! 
Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou nesse mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí.
Em trágica loucura as destruí.
Por minhas próprias mãos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar Morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto.
Onde velas de sonhos se rasgaram!

Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...


Florbela Espanca

quarta-feira, 10 de abril de 2013

AMOR SEM PREÇO





Ninguém venha me dar vida,
que estou morrendo de amor,
que estou feliz de morrer,
que não tenho mal nem dor,
que estou de sonho ferido,
que não me quero curar,
que estou deixando de ser,
e não quero me encontrar,
que estou dentro de um navio,
que sei que vai naufragar,

já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.

Corações, por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e os corais.

Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço,
que só quis quem não me quis.


Cecília Meireles

A ARTE DE SER FELIZ






A arte de ser feliz

Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.


Cecília Meireles

terça-feira, 9 de abril de 2013

PLANOS




Dizem que planejar é viver.
Então acho que eu vivo por pouco tempo, pois planejo num espaço cronologicamente curto.
Não faço planos longíquos...
Talvez sonhos, mas não planos.
Meu  espaço cronológico tem limite de doze meses.
Não necessariamente com início e término junto com o ano cronológico.
Seja como for é curto.
Vou realizando, e recomeçando e realizando e recomeçando...
O recomeçar na maioria das vezes são planos não realizados, então encaro como um novo plano, e recomeço, do zero, tudo de novo.
Sempre acreditando na possibilidade do sucesso. 
Faço planos desde ler "aquele" livro até  planos financeiros e emocionais.
Esta é a medida - fazendo planos - vivendo - sem planos - sem vida.
Mas as vezes eu me pergunto...
Até que ponto sou um plano na vida de alguém...?
Aí eu penso: isso é um plano meu?
Coisas da cabecinha maluca de uma futura psicóloga enlouquecendo em seus devaneios...


WR.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O abismo




O Abismo...
O que esconde lá?
Talvez aquela sensação de liberdade, de ter o mundo na palma das mãos.
Mas a gente quer ver cada vez mais e chega cada vez mais perto...
A curiosidade cresce e sai pelos poros, não pode ser contida.
Quem já foi sabe o que tem, mas sempre vai novamente, isso está no sangue.
Não tem como parar. 
Você quer ver lá embaixo, lá no fundo, e pra isso tem que chegar cada vez mais perto...
Até que...
Você cai.
E chega a hora, novamente, de abrir a velhas asas, guardadas mas que sabem muito bem o que fazer.
E voar...  
Voar para o próximo abismo, pois lá no fundo, não tem lugar para os que tem asas.



WR.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

COMPANHIA E SOLIDÃO





"Sou companhia, mas posso ser solidão.

Tranquilidade e inconstância.

Pedra e coração.

Sou abraços, sorrisos, ânimo,

Sarcasmo, preguiça e sono!

Música alta e silêncio.

Serei o que você quiser,

Mas só quando eu quiser".


(Clarice Lispector)