segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Pensar






“Quando Nietzsche Chorou”, obra de Irvin D. Yalom, traz grandes nomes da história como Josef Breuer, Sigmund Freud e o meu preferido: Friedrich Nietzsche. O autor mescla fatos reais e ficção com o intuito de explorar o nascimento da psicanálise por meio de encontros entre Breuer e Nietzsche que nunca aconteceram realmente.
O filósofo alemão sofre de uma crise existencial e depressão suicida que o atormentam profundamente, enquanto Breuer, que tem a missão de ajudá-lo, também está passando por algumas angústias pessoais. Dentre todos os temas discutidos ao longo do romance, o que mais me chamou a atenção foram as características de Nietzsche, que o tornam um homem completamente distante e solitário. Uma das falas do filósofo ilustra bem como ele se sente: “Às vezes, enxergo tão profundamente a vida que, de repente, olho ao redor e vejo que ninguém me acompanhou e que meu único companheiro é o tempo.”
Por ser tão fechado, Nietzsche não podia saber que estava sendo tratado por Breuer, pois a ideia de ter alguém invadindo sua intimidade o assusta completamente. A transformação ao longo das sessões é que Breuer lentamente se torna o paciente quando Nietzsche começa a ajudá-lo em relação aos seus tormentos e fantasias sexuais com uma mulher que não é a sua esposa. Posteriormente, o filósofo começa a confiar no psicanalista a ponto de se abrir como nunca havia feito antes.
O interessante é a forma como Nietzsche lida com a vida. Completamente fechado e sem conseguir estabelecer fortes laços devido a um trauma com uma mulher no passado, é um homem totalmente sozinho. E um questionamento que logo me veio foi: por que pessoas pensantes e reflexivas como ele costumam ser tão solitárias?
Normalmente, quem vive numa espécie de superfície tem mais facilidade de interagir com o mundo, pois seus dramas não tem a mesma magnitude daqueles vivenciados por um Nietzsche. E não entenda viver na superfície como uma crítica, pois é apenas uma das milhares de formas que o homem encontra para enfrentar sua jornada. Existem diferentes graus de se encarar a vida. Alguns mascaram as obscuridades justamente pelo medo que tem de enfrentar a dor. Outros, no entanto, transitam pela vida sem se darem conta da sua enorme teia de complexidades.
Entender e aceitar todas as dores da existência dá muito trabalho. Pensar resulta em incertezas, falta de respostas e consequentemente em angústias. Quem sofre com tudo isso é a psique, que de tão atormentada, pode posteriormente afetar o comportamento e a personalidade. Nietzsche diz enxergar a vida de forma tão profunda que se sente completamente sozinho. Com quem ele discutiria suas questões provenientes de uma visão tão reflexiva sobre a vida? Quem não tem esse mesmo nível de profundidade também não tem capacidade de viver com pessoas como Nietzsche.
Josef Breuer é contaminado por tantas reflexões de Nietzsche que em determinado ponto do romance não identifica mais nenhum sentido para sua vida. “Aquele rapaz agora envelhecido atingiu o ponto da vida em que não consegue mais ver seu sentido. Sua razão de viver – minha razão, minhas metas, as recompensas que me impeliram pela vida - se afigura absurda agora, quando medito em como busquei besteiras, em como desperdicei a única vida que possuo, um sentimento terrível de desespero me domina”, relata o psicanalista. Chegar nesse extremo é realmente desesperador, podendo resultar em crises e depressões profundas como as vivenciadas por Nietzsche.
Tendo em vista pessoas pensantes como Nietzsche, é possível fazer uma relação com a sociedade pós-moderna, permeada por indivíduos que tem extrema dificuldade de ficarem completamente sozinhos. Hoje, com o avanço tecnológico, as pessoas tem o costume de estarem 24h por dia conectadas e em momentos em que seria essencial a solidão para reflexão, rapidamente recorrem a um aparato tecnológico, uma mensagem a um amigo ou uma foto que consiga likes o suficiente com o objetivo de suprir essa carência e mal-estar. Estar realmente sozinho chega a ser uma raridade de poucos atualmente.
Essas pessoas que dificilmente tem um momento de reflexão solitário, diferente dos Nietzsches, parecem ser mais leves, despreocupadas e até mais felizes - talvez por mascararem suas angústias ou simplesmente por nunca terem se deparado com elas. Refletir sempre vai resultar em dor e descontentamento. Quem pensa, se dá conta de que muita coisa na vida não tem sentido nenhum e pensar mais e mais pode só aumentar a agonia. É por esse motivo que os Nietzsches que andam por aí muitas vezes são vistos como pessoas amarguradas e estranhas. Na verdade, encarar as verdades da vida torna esses indivíduos mais críticos, pois continuam numa busca incessante por respostas que podem nunca alcançar. Dessa forma, se isolam da maioria por se sentirem completamente incompreendidos e desencaixados num mundo onde parece que ninguém os acompanha.
O equilíbrio é essencial. Ser um Nietzsche constantemente pode gerar muito sofrimento – como pode ser percebido no romance –, mas ser incapaz de ter um momento solo é um erro muito comum hoje em dia e que passa despercebido.
Você que está lendo isso, quando foi a última vez que se sentiu um Nietzsche? Um peixe fora d’água? Quando foi a última vez que passou um dia inteiro realmente sozinho? Sem recorrer a ninguém além de si mesmo quando bateu uma agonia, uma dificuldade ou simplesmente uma tristeza... O mundo pós-moderno está carente de verdadeiras pessoas pensantes, que saem da caixa sem medo de explorarem as profundezas mais escuras desse oceano que é a vida.
Sofrer dignifica, faz crescer... Mas sofrer em excesso leva ao desespero, à dor incontrolável. Portanto, pensar é preciso, mas ponderar os pensamentos é obrigatório. Quem pensa demais, vive de menos. E por mais que eu admire os Nietzsches que ainda existem por aí - solitários e reflexivos -, tenho certeza de que quem trilha este caminho tem uma árdua tarefa que pode resultar na mesma conclusão de Nietzsche: “Penso que sou o homem mais solitário do mundo.”

Bruna Cosenza


Daqui:
http://lounge.obviousmag.org/recanto_da_desconstrucao/2014/10/por-que-pensar-te-torna-um-ser-mais-solitario.html

domingo, 30 de novembro de 2014

Coitadinhos





Todo mundo conhece um coitadinho. Nunca podem nada. Para eles tudo é muito difícil e complicado, então nem tentam. Sempre sobra para quem? Para você. Ou para quem estiver por perto. Coitadinhos são uma espécie de plantas parasitas. Ficam lá na surdina. E vão sugando o trabalho, a energia, a boa vontade do outro.Se contrariados mostram a força que têm. São fortes para gritar, reclamar, bater porta. Costumam ser os primeiros dedos apontados para erros alheios. Acusam sem piedade. 


Não há grande produtividade na vida dos coitadinhos. Nem muita criatividade também. Funcionam em modo de espera. Uma espécie de repouso, stand by. O que esperam? Talvez nem eles saibam.Tanto marasmo incomoda quem olha de fora. Triste ver uma vida jovem desperdiçada dessa forma. Na aflição de ajudar damos palpites. Questionamos. Insistimos. Coitadinhos se irritam. Se fosse gato veríamos seu pelo eriçando pronto para o ataque.

Mas é por pouco tempo. Rapidamente vai aparecer um protetor para concordar com ele e discordar de você. Por traz de todo coitadinho há alguém que passa a mão na sua cabeça e apoia seu dolce 'far-niente'. Pode procurar.
Alguém que acha que errou em algum momento, de alguma forma. E que, por isso, criou uma pessoa mais frágil que precisa ser protegida, poupada. De que? Da vida. Porque vida dói. Se é mesmo culpado? Não. Ninguém é culpado pela vida de ninguém. Vida é pessoal e intrasferível.
Coitadinhos, geralmente, têm algum histórico de perdas. Não que sejam graves ou insuperáveis. Eles é que sentem como se fossem. Sempre com o respaldo de alguém para dizer: por isso que ele é assim. Deixa ele, coitado.
Levante a mão quem nunca teve perdas. Tristezas, abandonos, decepções. E não estamos aqui? Vida nunca é bem asfaltada. Para nenhum de nós. Vida é estrada brasileira. Buracos enormes. Quebra molas mal feitos. E dói mesmo. Mas faz parte. A vida bate dura no lombo da gente. Não há amortecedor que suavize o baque. Quebra nossa suspensão. Nos deixa arriados de quatro no meio do caminho. E não estamos todos aqui tentando de novo?
Pais, mães, avós, cuidam como sabem e como podem. De acordo com o que receberam. Da melhor forma que lhes é possível. Erraram? Claro. Nós erramos todos, pelo menos umas dez vezes todos os dias, em tudo o que fazemos. Por que com filhos seria diferente? Ao contrário. Aí é que a gente erra mais ainda. Eles costumam sobreviver a isso. Nós sobrevivemos também.
Usar erros do passado como desculpa para o presente? Esse é o grande erro. Remexer o baú buscando justificativa, desculpas? Vida é um erro atrás do outro. Não para sentar e carpir. Nem para se lamentar. Para entender, aceitar e prosseguir. A vida é nossa. Não cabe deslocar responsabilidades. Sou responsável pelo que decido pelo que faço e pelo que tento não assumir e jogar sorrateiramente para cima dos outros. Vida é garrafa d água do lado do filtro. Abro e encho ou fico com sede reclamando.
Coitadinhos se sentem no lucro. Não deixa de ser. Afinal, nada fazem e tudo têm. Ninguém cobra nada deles. Se acham uns espertalhões. Vivem sem esforço. Que nada. Não há lucro em parasitar. É no embate do dia a dia que a gente aprende, se fortalece e fica cascudo. Na dor da queda e no vento no rosto, se perceber em pé de novo. Isso é vida.
Não imagino o que pensa uma mãe passarinho quando enxota os filhotes para fora do ninho. Mas se ela pensar muito e não jogar, como eles vão aprender a voar? Deitados no conforto do ninho?
É preciso ir além da zona de conforto. Experimentar, quebrar a cara, tentar de novo. É isso que os coitadinhos não têm. Não saem do ninho. E o ninho dos coitadinhos nem é a casa. É o quarto deles. É lá que costumam reinar. Pequenos tiranos cheios de vontade. Não percebem que o mundo é mais do que quatro paredes. Não falo de crianças. Falo de imaturos.
Por trás de todo coitadinho tem um passarinho que entende suas dificuldades. Tem muita pena dele. Repete sempre como ele teve uma história sofrida. E lhe traz minhocas que lhe dá na boca. Uma mordomia para poucos. Ainda bem. Imagina um mundo de coitadinhos?
Um coitadinho nunca é tão incompetente quanto parece. Só desenvolveu a crença de que não pode, não consegue. E a percepção falsamente esperta de que também não precisa tentar, porque lucra mais desse jeito que está. Só que não. Todo coitadinho é meio espertalhão.
É preciso empurrar para fora do ninho. Mesmo que seja para voar junto, orientando a direção. Ensinando os macetes. Sem desculpas, choramingos ou desistências. E sem pena dos tombos que vai tomar. Quantos já não levamos?
Lucro é ter asas fortes, com calos de tanto voar. E se ralar, se esfolar, perder penas. Continuar sempre e mesmo assim. Ter coragem de ousar, ir além do visível. Realizar desejos e buscar sonhos. E, mesmo quando tudo der errado, acreditar que pode vencer. E seguir.  

Mônica El Bayeh

sábado, 8 de novembro de 2014

Amor




Há muitos anos atrás, muitos mesmo, quando era praticamente uma adolescente, li, "Do amor, Ensaio de Enigma", sensível livro do saudoso Artur da Távola. Há semanas atrás após a crônica “Quem Nunca Sentiu Saudade?”que escrevi para a página Acidez crônica, recebi uma mensagem delicada que citava o trecho “da perda” deste livro "Do Amor".
Fui, então, reler alguns trechos do meu livro já amarelado pelo tempo, sublinhado pelas descobertas de uma adolescente, hoje, revisitado por estas retinas vividas, achei engraçado alguns trechos sublinhados, quase premonitórios e, enfim, pude concluir: o amor é realmente um enigma.
Pus-me a pensar no amor, esquecendo-me completamente do purismo da língua, das observações analíticas: pensei no amor do dia a dia, o amor desabafado e desabado nos ombros amigos; pensei nos amores de bar e nos amores média, pão e manteiga com olhares perdidos e esperanças matinais.
Ponderei sobre amores que nem sempre são amores, mas que pelo tempo que estiverem trajados de amor serão intermináveis. Pensei nos amores absolutamente apaixonados que visitam camas e muros; nos amores complicados tal qual nó de aselha, cegos em sua existência, e por fim, pensei naquele amor que de tanto ser amor torna-se enigma, aquele amor fecundo em todos os tempos, que será sempre amor mesmo depois de findo.
Este amor é silencioso, sobrevive à própria morte, posto que renasce nas lembranças e em frases de carinho. É amor de travesseiro, não importa o novo amor, muito menos com quem você se deite, haverá de haver um boa noite distante.
Quando eu era jovem discordava da afirmativa de Nelson Rodrigues: “Todo amor é eterno. E se acaba, não era amor”. Entendia que o amor necessitava de presença, toque, sexo, beijos. Hoje minhas retinas refletidas e vividas, permitem-me compreender: Há o amor de querer bem, não importa o fim, segue-se, sim, amando.


Luciana Chardelli

© obvious: http://lounge.obviousmag.org/luciana_chardelli/2014/11/do-amor.html#ixzz3IVKhb6aL 

sábado, 13 de setembro de 2014

Sacanagem




SÓ DE SACANAGEM

Meu coração está aos pulos!

Quantas vezes minha esperança será posta à prova?

Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?

Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.

Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.

Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.

Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau."

Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!
Elisa Lucinda

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Amor adiado







A realidade me atravessa

já não posso tardar na resposta

tudo agora me define –

decido o futuro

sem conhecer o fim

o amor será adiado,

outra vez




Cáh Morandi

sábado, 30 de agosto de 2014

Homem Pássaro






"Há um pássaro azul no meu coração

que quer sair
mas eu sou demasiado duro com ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumaça de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro com ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta, mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?"



Charles Bukowski

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Sonhadora Edificada





Procurei o amor, que me mentiu. 
Pedi à Vida mais do que ela dava; 
Eterna sonhadora edificava 
Meu castelo de luz que me caiu! 

Tanto clarão nas trevas refulgiu, 
E tanto beijo a boca me queimava! 
E era o sol que os longes deslumbrava 
Igual a tanto sol que me fugiu! 

Passei a vida a amar e a esquecer... 
Atrás do sol dum dia outro a aquecer 
As brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo 
É igual a outro amor que vai surgindo, 
Que há de partir também...nem eu sei quando...


Florbela Espanca

Guardada e Protegida







Vem,
Adormece encostada a este braço
Mais débil do que o teu.
Entrega-te despida
Nas mãos dum homem solitário
Que a maldição não deixa
Que possa nem sequer lutar por ti.
Vem,
Sem que eu te chame, ou te prometa a vida.
E sente que ninguém,
No descampado deste mundo, tem
A alma mais guardada e protegida.


Miguel Torga

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O Pássaro




Era uma vez um pássaro. 
Adornado com um par de asas perfeitas e plumas reluzentes, 
coloridas e maravilhosas. 
Enfim, um animal feito para voar livre e solto no céu, e alegrar quem o observasse.


Um dia, uma mulher viu o pássaro e apaixonou-se por ele.
 Ficou a olhar o seu voo com a boca aberta de espanto, o coração batendo mais rapidamente, 
os olhos brilhando de emoção. 
Convidou-o para voar com ela, e os dois viajaram pelo céu em plena harmonia. 
Ela admirava, venerava, celebrava o pássaro.

Mas então pensou: talvez ele queira conhecer algumas montanhas distantes! 
E a mulher sentiu medo.
 Medo de nunca mais sentir aquilo por outro pássaro. 
E sentiu inveja, inveja da capacidade de voar do pássaro.

E sentiu-se sozinha.

E pensou : "Vou montar uma armadilha. 
Da próxima vez que o pássaro surgir, ele não partirá mais."

O pássaro, que também estava apaixonado, voltou no dia seguinte, 
caiu na armadilha, 
e foi preso na gaiola.

Todos os dias ela olhava o pássaro. 
Ali estava o objecto da sua paixão, e ela

mostrava-o às suas amigas, que comentavam:
 "Mas tu és uma pessoa que tem tudo."

Entretanto, uma estranha transformação começou a processar-se: 
como tinha o pássaro, e já não precisava de o conquistar, foi perdendo o interesse. 
O pássaro, sem poder voar e exprimir o sentido da sua vida, foi definhando,
 perdendo o brilho, ficou feio - e a mulher já não lhe prestava atenção, 
apenas prestava atenção à maneira como o alimentava e como cuidava da sua gaiola.

Um belo dia, o pássaro morreu.
 Ela ficou profundamente triste, e passava a vida a pensar nele.
 Mas não se lembrava da gaiola,
 recordava apenas o dia em que o vira pela primeira vez, 
voando contente entre as nuvens.

Se ela se observasse a si mesma, 
descobriria que aquilo que a emocionava tanto no pássaro era a sua liberdade,
 a energia das asas em movimento, 
não o seu corpo físico.

Sem o pássaro, a sua vida também perdera o sentido, 
e a morte veio bater à sua porta.
 "Porque vieste?" perguntou à morte.

" Para que possas voar de novo com ele nos céus", respondeu a morte. 
"Se o tivesses deixado partir e voltar sempre, amá-lo-ias e admirá-lo-ias ainda mais; porém, agora precisas de mim para poderes encontrá-lo de novo."


Onze Minutos - Paulo Coelho




terça-feira, 8 de julho de 2014

Viva os Idiotas





Eles parecem adultos
Mas são doutores nas molecagens
Tentam contar piadas
Mas em troca ganham risos forçados

Fingem ser quem não são
Disfarçam ações com palavras
Quereres com vontades
Prazeres com encantos medíocres

Testam as teorias mais excêntricas
Trocam olhares com facilidade
Escondem os defeitos
E idealizam tantas qualidades

Transformam rimas
Brincam com versos
Destroem estrofes
Pisam brutalmente na poesia

Gostam de ensaios e encenações
Apegam, desapegam
Somem, aparecem
Mudam conforme a “música”

São licenciados no verbo iludir
Em transmitir “conversa fiada”
Mergulhar intensamente em injustiças
E achar que mandam onde nem se quer existe um dono

Viva os idiotas!
Aqueles que ultrapassam títulos
Que encobrem escrúpulos
Sonegam verdades

Viva os idiotas!
Que aproveitam de "sentimentos carentes"
E acreditam erroneamente
Que podem ludibriar "qualquer um"

Viva os idiotas!
Esses pobres coitados
Rotulados com um vocábulo forte
Mas que transparecem tão bem quem são

terça-feira, 24 de junho de 2014

Desculpas





Já pediste desculpa, eu ouvi. Não me tomes o silêncio por surdez. Desculpa? Para que queres tu o meu perdão?
Pedes desculpa pelo erro, pela mágoa que ele provocou, pela alma que feriu. Desculpa. Mas as desculpas somam-se e a palavra encadeia-se nelas. Desculpa. Vivemos nessa Era, a Era da desculpa. É mais simples dizer uma palavra do que agir corretamente. Desculpa mas não aceito. Desculpa.
E continuas aí, porque  é fácil pedir perdão. É só dizer essa palavra: desculpa. É assim que se corrige magicamente cada erro. Mesmo o mais indesculpável. E cansa-me ouvir a palavra. Essa palavra. Desculpa.
O meu mundo foi feito assim: com justificações e mentiras e desculpas. Já ninguém tenta ser melhor. Já ninguém busca alcançar o que fica depois da desistência. Desculpa. A palavra veio dar perdão a tantos quantos não querem o suficiente e não tentam o bastante.
No mundo, somam-se as desculpas onde não houve tempo perdido, esforço empenhado ou força de vontade. Não há motivação nem desejo de fazer melhor. Mas há a desculpa. Há a desculpa e essa palavra basta.
Tu repetes a palavra. Já ouvi! Mas ensurdecem-me os lábios na demanda pela vontade de te perdoar. E a vontade não vem porque a tua desculpa é vazia de arrependimento. Porque essa palavra, essa palavra fria e tenebrosa podia ter sido evitada.
Desculpa. Não queiras o meu perdão. Ele seria tão seco e vazio como esse pedido que me fazes. Não posso perdoar as tuas escolhas nem os teus erros. Não posso fingir que não sabias que assim seria quando escolheste pedir desculpa depois.
Desculpa. Não posso perdoar-te. Não posso ouvir-te a palavra em repetição e ignorar o eco que ela faz no seu próprio vazio. Não consigo. Desculpa.



Marina Ferraz

domingo, 22 de junho de 2014

O amor é simples!






Ele acredita ser simples a vida, é puro riso e alegria.

Ela cultiva sonhos em pequenos frascos,

 Almeja soltá-los em diversas ilhas.

Ele respira paz, carrega lembranças em calças velhas,

Ela decifra as cartas, conversa com os animais e as estrelas...






quinta-feira, 19 de junho de 2014

Estrelas





Das Utopias


Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las... 
Que tristes os caminhos, se não fora 
a mágica presença das estrelas! 


       Mário Quintana

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Nossa Pátria não floriu



Desculpe, Neymar
Mas nesta Copa eu não torço por vocês
Estou cansado de assistir ao nosso povo
Definhando pouco a pouco
Nos programas das TVs
Enquanto a FIFA se preocupa com padrões
Somos guiados por ladrões
Que jogam sujo pra ganhar
Desculpe, Neymar
Eu não torço desta vez

Parreira, eu vi
Aquele tetra fez o povo tão feliz
Mas não seremos verdadeiros campeões
Gastando mais de 10 bilhões
Pra fazer Copa no país
Temos estádios lindos e monumentais
Enquanto escolas e hospitais
Estão à beira de ruir
Parreira, eu vi
Um abismo entre Brasis
Foi mal, Felipão
Quando Cafu ergueu a taça e exibiu
Suas raízes num momento tão solene
Revelou Jardim Irene
Um retrato do Brasil
A primavera prometida não chegou
A vida vale mais que um gol
E as melhorias onde estão
Foi mal, Felipão
Nossa pátria não floriu
Eu sei, torcedor
Que a minha simples e sincera opinião
Não vai fazer você, que ganha e vive mal
Deixar de ir até o final
Junto com nossa seleção
Mesmo sem grana pra pagar o ingresso caro
Nunca vai deixar de amar o
Nosso escrete aonde for
Eu sei, torcedor
É você quem tem razão.


Música do compositor Edu Krieger.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Encantada





Estou frágil, sensível... loba e faminta

Encantada, entregue...

Estou infinita!

Transbordando cor em dia cinza

Transformando um grão em reino

(...)

A coroa de velhos tempos não perde o brilho

por ventos pequenos...

O amor de antes, ainda é o de sempre

A essência se reencontra

E a vida segue...

E eu,

Eu estou Infinita!

(...)



Carolina Salcides

sábado, 24 de maio de 2014

Friends





A gente se vê.
Quem sabe em um futuro próximo ou em uma esquina do tempo?
Vai servir como experiência, relaxa tudo já foi escrito tenha calma. A gente se vê.
É apenas o caminho, precisamos aprender a nos amar. 

A gente se vê.
Sei que não é fácil, mas a vida nos canta essa canção.
A gente se vê... quem sabe em um ônibus em inglês?
Te digo a mesma coisa, sentimentos despertados são inesquecíveis.

A gente se vê...

Quem sabe em um ônibus em inglês?

Em uma esquina do futuro...



Xuxu




quarta-feira, 21 de maio de 2014

ANTES DO NASCER DO SOL





Belo, vieste a mim, velado em tua beleza, 
da maneira muda como me falas, revelas tua sabedoria!
Ah! Como não havia de adivinhar todo o pudico de tua alma! 
Antes de o sol raiar, vieste até a mim, solitário entre os solitários. Somos amigos de sempre. 
Comuns nos são tristeza, terror e profundidade. 
O sol também nos é comum.
 Não falamos porque sabemos demasiadas coisas. 
Calamos em um sorriso basta para revelar o que sabemos. 
Não és tu a luz que reclamas meu fogo? 
Não és tu a alma irmã de minha inteligência?


Assim Falava Zaratustra - Nietzsche

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Verdade





Verdade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.


Carlos Drummond de Andrade