sábado, 4 de junho de 2011

A CAIXA





Dobrei o oceano e guardei na caixa. O grito! Só Deus entende que as coisas miúdas existem enquanto o mundo segue vasto. Por isso me emprestou a caixa dos segredos e pediu que eu guardasse mil pedacinhos de beleza – todos os que eu visse. Eu vi uma gota de sangue na calçada e o dedo ferido do velho. Eu vi. E não pude deixar de notar a menina que segurava no colo outra menina – pouco menor. A filha. E os pés daquele outro pareciam um tanto quanto roídos: logo me lembrei do rato que roeu a roupa do rei de Roma. E do rei que estava nu. Só os inteligentes viam a roupa. Sempre fui burra. Nunca fui capaz de enxergar vestes invisíveis: todo mundo é nu. Dito isso, conto que guardei na caixa também toda a nudez do mundo. Todas as flores. E aquele mato que crescia à nossa volta. Aquele instante antigo em que ele ainda não havia segurado uma arma de fogo, o menino. E o momento depois, quando ele me levou a bolsa – ainda menino. A gente não devia ter medo de meninos. A caixa dos segredos é tão bonita que todos os meninos um dia já a conheceram: eu sei, porque eles tem mania de contar história. O pequeno morria de medo de Deus. Eu também, antes da caixa. Antes do segredo. Antes de ser Pandora ao contrário, antes de poder dobrar o mundo às miudezas – guardar enormidades num quase-nada, um oceano-gota. Agora eu sei. Que Deus é aquele pólen que voou frágil ali. Fez alguém espirrar. Deus é o espirro. O vento. A flor. A minha caixa de vazios.


Carla Jaia

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